sábado, 4 de julho de 2009

Pacote de dados ?






Não recebo mais presentes fora de data.

- Sra, seu plano de pontos lhe garante o recebimento de um telefone TXH9 com acesso mobile, 500 mega de memória, agenda de 1000 nomes...

Eu ouvia aquela ladainha marketeira enquanto meus colegas me serviam picanha e cerveja gelada depois de um dia infernal no escritório.
O vendedor do Call Center seguiu me contando as maravilhas do aparelho que me davam de presente.
- OK, respondi, pode me mandar - e encerrei o assunto.

Sou do tipo que não dá nenhuma bola para aparelhos de celular. Uso o mesmo modelo até parar de funcionar. Não gasto um centavo com novos modelos hitech exibidos por colegas e amigos.
Então não conhecia nada sobre o TXH9 que chegou por motoboy mais rápido do que pude acreditar que ele existia.
Era preto, um enorme visor, uma caneta de ponta fina que tocava a tela e um teclado deslizante fantástico. Todos morreram de inveja, e eu pensei - e o pacote de dados? Quanto custa o pacote de dados?
Iniciei imediatamente a pesquisa antroposociológica em busca do real motivo de ter ganho aquele presente indesejado.

Liguei ao 0800. Depois de diversos menus desconhecidos fui atendida por alguém que, após pegar todos os meus dados, me encaminhou para outro alguém que novamente questionou os meus dados. Ahá, finalmente entendi o que é um pacote de dados.
Na terceira pessoa, o veredicto:
- Mas sra, o seu plano é pós pago e aqui é o atendimento do pré pago.
Pedi que me ele me passasse alguém que pudesse me ajudar, novo diagnóstico:
- Sra, o sistema caiu, ligue mais tarde.
Pedi ao operador que mesmo assim me passasse adiante.
- Não existe uma lei que me garante ser atendida em 1 minuto? Estou na linha há 20 e ainda não fui atendida.
- Senhora, a lei define 1 minuto para o atendimento e foi cumprida senhora.
- Mas meu caro, ainda não fui atendida e estou pulando de atendente para atendente mas meu problema continua.
- Senhora, a lei prevê atendimento e não a solução de seu problema. O sistema está em off senhora.

O TXH9 continuava me olhando do alto de sua tecnologia e uma nova mensagem passou a entrar a cada 5 segundos- "mensagem de rede - rede 51".

Nada do bonito calar a boca. O manual de instruções era um livro indecifrável.
Voltei ao 0800. Nova sequência de transferências absurdas até a frase tranquilizadora:
- Senhora, vou lhe transferir ao setor responsável
- Ufa, agora sim estou tranquila.

- Pois não senhora, qual seu nome por favor?
- Me diga você o seu nome.
- Senhora, qual seu nome?
- Não querida, você não entendeu, eu sou a cliente e quero saber o SEU nome.
- Lucinda senhora, em que posso ajudá-la-
Lucinda de quê?
- Senhora, afinal em que posso ajudá-la.
- Me dizendo seu sobrenome Lucinda
- A senhora é que deve me dizer seu sobrenome.
- Por que Lucinda, estou te ligando, sou a cliente, eu é que peço o serviço e quero saber seu sobrenome.
- Senhora, afinal de contas, em que posso ajudar?
- Lucinda, lembre-se : esta ligação está sendo gravada.

O silêncio que seguiu me explicou - Lucinda desligou.

O TXH9 continua apitando, mas eu tenho medo. Ainda não sei o que ele veio fazer aqui.

Mas que vergonha!


A vergonha diminui depois dos 40. Na verdade a vergonha diminui ano a ano, desde que se nasce. Ou desde que se descobre que as coisas que fogem ao comum são coisas erradas, e que fazer essas coisas deve ser motivo de vergonha.

Quantas vezes sofri por falar palavras erradas, trocar o nome das tias de minha mãe ou peidar na frente de amigos.

Mas nada supera a maior de todas as vergonhas . Nove anos de idade, há exatos 32 anos atrás fui naquela que seria minha última festa junina.

Era domingo e o convite dizia claramente - "somente vestido de caipira".
Ok. Minha mãe, contrariando sua atitude costumeira, passou a semana providenciando minha fantasia. Chapéu de palha, saia xadrez, conga vermelha e meia calça remendada. No cabelo trancinhas. Nas bochechas um "rouge" coberto com pintinhas pretas. Era Xiquinha caipira em pessoa.

Lá fui eu. Desci do carro do meu pai e bati na porta da casa de minha ex-colega de jardim de infância. Fernanda, vestida como uma criança normal abriu a porta e começou a rir como nunca.

- Foi ontem - ela disse, rindo sem parar.

Não consegui me mexer. esperei que meus pais corressem para me tirar dali, mas não. Me abanaram e arrancaram o carro, sem saber do desastre.

Passei a tarde na casa de Fernanda, vestida de caipira esperando a hora de ir embora. Brinquei, corri, comi, até a hora de ir.

Descobri , em casa, que meus pais trocaram o dia da festa por distração e me deixaram com a vergonha.

Passei muitos anos odiando festas juninas, sem lembrar por que.

E também fui esquecendo de ter vergonha, e comprei roupas xadrez. casacos, calças, botas, meias, blusas e calcinhas.

Meus cabelos cortei de formas estranhas e enchi de muitas cores. Adoro chegar nas festas erradas.

Espero chegar aos 50 com rouge e sardas, cada vez mais sem vergonha.


Vou convidar a Fernanda!!